Dom Bosco I – Um sonho profético – Maio de 1825
A história de Dom Bosco começa menos de dois meses após a batalha de Waterloo, em Castelnuovo d’Asti, hoje Castelnuovo Don Bosco, um povoado perto de Turim, ao norte de uma Itália redesenhada de acordo com os caprichos dos vencedores de Napoleão.
João Melchior Bosco nasceu no dia 16 de agosto de 1815, na casa do arrendador Giacinto Biglione, no povoado Morialdo, localidade dos Becchi, município de Castelnuovo d’Asti, diocese de Turim. Era filho de Francisco Luis (1784-1817) e de Margarida Occhiena (1788-1856), casados em 6 de junho de 1812. A data de nascimento está fixada à pág. 145 do livro de batizados da paróquia Santo André, em Castelnuovo d’Asti. Foi batizado no dia 17 de agosto, sendo padrinho Melchior Bosco Occhiena e madrinha Madalena Bosco. A família, naquela data, além dos pais e do recém-nascido, completava-se com Antônio (1808-1849), filho do primeiro casamento de Francisco e José Luís, nascido em 1813. Com eles vivia também a avó paterna, Margarida Zucca (1752-1826).
Francisco tinha comprado em 17 ou 18 de fevereiro de 1817 uma modesta construção disposta de depósito de feno e estala, chamada em seguida de “casinha dos Becchi”, a “Belém salesiana”, porque considerada erroneamente como aquela em que nascera João Melchior. Francisco morreu em 11 de maio de 1817.
Em 1815 uma extraordinária carestia afligia o Piemonte.
Em dezembro de 1823 João aprende a soletrar com um camponês. Em 3 de novembro de 1824 vai para a escola em Capriglio com padre Lacqua. Em março de 1825 termina a escola em Capriglio e retoma-a por poucos meses em novembro.
Casa Biglione
Propriedade da família Biglione onde nasceu São João Bosco. Se encontrava naquele lugar que hoje é conhecido como a Colina Dom Bosco, situada entre o Instituto Bernardo Semeria e o Templo. ( M. MOLINERIS, “Dom Bosco Inédito”)
A noite chega calma e serena nas colinas e vales da Itália, onde vivem os modestos camponeses. Foi mais um dia da trabalho árduo. Mas para Joãozinho Bosco foi também um dia de brinquedos. Ele agora dorme um sono tranquilo, e sonha…
Em seu sonho, percebe jovens que brincam alegres, correm, e alguns que se desentendem e falam palavrões. Joãozinho pede a eles que não briguem nem digam blasfêmias, mas não é atendido.
Vendo que com palavras nada conseguia, pretendeu impor seu pensamento à base de socos e bofetões. E a briga foi generalizada!
Em meio à pancadaria, um homem se aproxima de Joãozinho e lhe fala: -”Não será com pancadas que transformarás esses jovens em amigos. Trata-os com bondade! Mostra-lhes quão bela é a virtude e quão desprezível é o vício.”
-”Quem é o Senhor, hein? Olha, moço não dá para fazer o que Ire pede, não! Eu nunca iria conseguir!”
-”Certamente o conseguirás com obediência e estudo. Para isso, tenho aqui a mais sábia das mestras: minha mãe!”
Nossa Senhora pede a Joãozinho que olhe em volta e diga o que vê. Ele diz que pode ver lobos, ursos e outros animais ferozes. Quando Maria pede que ele se aproxime desses animais e tente domesticá-los, Joãozinho se nega terminantemente.
De urna hora para a outra, então, todas aquelas feras transformaram-se em cordeirinhos. João Bosco não entende mais nada.
-”Eis tua missão: procura conduzir esses jovens ao bom caminho. Leva-os a Deus! Tudo compreenderás. Torna-te humilde, forte e corajoso.”
A visão desaparece e Joãozinho acorda. Fica a imaginar quem seria aquele Senhor tão sábio e aquela senhora tão bondosa… Assim, decidiu contar aos outros da casa o que sonhou.
João, na manhã seguinte, conta o sonho a seus familiares. As interpretações são as mais variadas. Seus irmãos, José acha que ele será pastor de ovelhas ou caçador, já que no sonho apareciam cordeiros e animais ferozes. Antonio que será chefe de bandidos. Sua avó afirma que em sonhos não se deve acreditar. Perguntando a opinião de sua mãe, ela responde:
-”Bem, filho, talvez você seja padre, algum dia!”
-”Acho que mamãe tem razão. Se quero acabar com as desavenças; ser padre é uma boa ideia. Minha campanha vai começar agora: apresentarei números de mágica para que a turma se divirta. Isto servirá para mantê-los afastados das brigas!”
E assim João Bosco vai divertindo seus amigos… Todos estão ali, com os olhos pregados nos números de mágica. Ao fim de cada apresentação ele ouve palmas e elogios!
Mas em casa não é nada disso que espera por ele. Seu irmão, Antônio, zangado, avisa a Joãozinho que terá de trabalhar, se quiser comer. De nada adianta explicar sobre a necessidade daquela diversão.
No dia seguinte, durante a oração com os amigos, Joãozinho mostra-se preocupado, e a todo instante olha para os lados de sua casa. Seus companheiros não entendem o que se passa.
Mesmo assim, os truques e acrobacias têm prosseguimento. A turma toda delira com as habilidades de João!
Passa o tempo e João Bosco vai crescendo. Agora, prepara-se para a primeira comunhão, orientado por mamãe Margarida, a quem ele pede que perdoe as faltas cometidas em casa. Na quaresma de 1827 Margarida envia João para a catequese paroquial.
A partir daquele momento, a cada dia ele estava mais ligado à existência de Deus e às maravilhas da natureza. Algumas frases não lhe saíam da cabeça – “Mostra-lhes quão bela é a virtude”… – “Você vai ser pastor” – “Talvez você seja padre, algum dia.”
Em casa, a situação não é boa. Antônio diz não ter mais paciência para aturar alguém que só quer estudar, sem se preocupar com o trabalho. Em fevereiro de 1828 João sai de casa para ser serviçal na casa dos Moglia, em Moncucco. Ficará ai até novembro de 1829.
Observando o filho que partia, mamãe Margarida o abençoa e faz uma prece, pedindo a Deus que o acompanhe, indicando o bem caminho.
A conselho da mãe, João procura os Moglia. Conseguiu ser aceito como serviçal no campo com a condição de o deixarem ir à escola do pároco em Moncucco enquanto deixaria de bom grado o salário. Nas horas livres ia com o pároco Francisco Cottino (1768-1840), fazendo muito proveito e progresso.
Em sua adolescência, Bosco conhece também o padre João Calosso. O encontro aconteceu em novembro de 1829, após um sermão, durante o período das Missões. João diz ao padre do seu interesse em conduzir os jovens ao caminho do bem. Satisfeito, Calosso recomenda que cultive esse pensamento e conte com ele para continuar os estudos.
Dom Bosco escreveu nas Memórias do Oratório: Quando chegamos à altura do caminho onde era forçoso separar-nos, deixou-me com estas palavras:
– Coragem, Vou pensar em ti e em teus estudos. Vem ver-me domingo, com tua mãe, e combinaremos tudo.
No domingo seguinte foi, de fato, com sua mãe, e ficou combinado que O padre Calosso daria diariamente uma aula e João empregaria o resto do dia trabalhando no campo, para contentar Antônio.
” Coloquei-me logo nas mãos do P. Calosso. Abri-me inteiramente a ele. Fiquei sabendo Assim quanto vale um guia estável, um fiel amigo da alma, que até então não tivera”, afirma D. Bosco nas Memórias do Oratório. E continua: “O digno ministro de Deus me chamou um dia e me disse: Joãozinho, puseste em mim tua confiança, e não quero que isso seja inútil. Deixa, pois, esse irmão malvado, vem comigo e terás um pai amoroso. Comuniquei à mamãe o caridoso convite, e foi uma festa em casa. No mês de abril passei a conviver com o capelão, voltando para casa somente à noitinha para dormir. O P. Calosso tornou-se um ídolo para mim”.
Chegou o dia, no entanto, em que o P. Calosso foi vencido pelo tempo. Em abril de 1830 o P. Calosso passou mal, sofreu um ataque apoplético. Reconheceu-me, queria falar, mas já não podia articular palavra. Deu-me a chave do dinheiro, fazendo gestos como para indicar que não a Entregasse a ninguém. Morreu no dia 21 de novembro de 1830, com 75 anos. Eram 6.000 liras. Chegaram os herdeiros e entreguei-lhes a chave e tudo o mais.
Com a perda do mestre e companheiro, João retoma à casa da mãe. Ele continua os estudos na escola municipal de Castelnuovo. São 20 quilômetros por dia, e é inverno. Muitas vezes vai de pés descalços, para economizar calçados. Em 1830, com a chegada de Antonio à maioridade, Margarida fez a divisão dos bens patrimoniais. A casa dos Becchi foi dividida, com Antonio numa parte e José, com a mãe e o irmão na outra. A avó morreu em 1826.
Certa noite, o sonho dos 9 anos volta a se repetir, João revê Nossa Senhora e os cordeiros. Foi asperamente repreendido por ter colocado esperança nos homens e não na bondade do Pai do céu, devido ao fato de até ter ficado doente, depois da morte do P. Calosso. Ao acordar, se sentirá mais confiante e corajoso para prosseguir e dirigir seu rebanho.
João sentia uma verdadeira atração pelos sacerdotes que conhecia. Numa festa da Igreja, ele conhece o seminarista Cafasso. Isso aconteceu no segundo domingo de outubro de 1830, festa da Maternidade de Maria Santíssima.
–”Sou de Becchi, meu nome é João Bosco. O senhor aceita um convite para visitar a barraca das mágicas?” -”Obrigado, João. Meus espetáculos são as cerimônias da Igreja, sabe?”
–”Eu também gosto de Igreja, mas por enquanto vou dividindo o meu tempo e faço as duas coisas.”
-”Entendo .. Mas quando se é sacerdote, a gente se consagra por inteiro a Deus. As outras coisas ficam em segundo lugar!”
João Bosco chegou a Chieri em 3 de novembro de 1831 para prosseguir estudando. Inicia os estudos de latinidade no “colégio” ou escola pública de Chieri em um ano, faz a sexta e quinta séries. Em 1832 inicia a quarta série completando-a com a terceira. Em 1833 inicia a segunda série ou ano de humanidades. Foi crismado em 4 de agosto de 1834.
Na aula, tudo agora é contentamento. Com alguns colegas, João funda a “Sociedade da Alegria”, onde a obrigação de todo sócio é cumprir com alegria todos os deveres com Deus e com a escola.
João já se considera um jovem responsável. Sente uma grande paixão pela juventude. Aprimora seus dotes artísticos e desportivos. Em todos os seus atos, Deus está presente.
João fez amizade com um jovem judeu, chamado “Jonas”, Jacob Levi. (1816-1870). Contrariando seu pai, este jovem hebreu preferiu ser expulso do lar a deixar a amizade de Bosco.
João o preparou para receber o batismo, realizado na catedral de Chieri, em 10 de agosto de 1834, mudando o nome e sobrenome para Luís Bolmida.
Outro amigo especial de Bosco foi Luís Comollo. Era um garoto alegre, comportado, cumpridor de seus deveres.
Devido ao seu temperamento pacífico, os outros se aproveitavam para provocá-lo e zombar dele.
Um dia, estavam prestes a bater em Comollo. Quando apareceu João Bosco. Energicamente ele mandou que parassem logo com aquela covardia, batendo nos colegas. Ouvindo isso, os agressores se retiraram.
A partir dai, Comollo e Bosco passam a cultivar uma grande amizade. Ambos têm em mente o mesmo ideal: entrar para o seminário! Dom Bosco escreveu nas Memórias do Oratório o que lhe disse Comollo: “Meu amigo, tua força me espanta; lembra-te, porém, que Deus não a deu para massacrar os colegas. Ele quer que nos amemos e perdoemos, que façamos o bem a quem nos faz o mal. Pus-me inteiramente em suas mãos, deixando-me guiar”.
Em 1834 João pensava em entrar no Convento dos Franciscanos. Se inscreveu no convento de Santa Maria dos Anjos, em Turim. Porém teve um sonho, onde era dito que não deveria entrar no convento. Foi então se aconselhar com o P. Cafasso, em Turim. Seu conselheiro espiritual foi radical: aconselhou-o a continuar seus estudos e depois ingressar no seminário. Nada de ser frade! Deu a João coragem e otimismo, prometendo inclusive ajudá-lo materialmente.
Os amigos procuram João para dizer-lhe que todos estarão presentes no dia de sua entrada no seminário. A notícia o deixa muito satisfeito.
Assim, aos vinte anos João Bosco veste o hábito eclesiástico, em 25 de outubro de 1835. Com a ajuda da mãe e dos amigos, conseguiu alcançar este grande dia. Mamãe Margarida era a mais alegre entre todos, e não cansava de agradecer a Deus e ao filho, por tamanha felicidade.
“João, você vestiu o hábito de sacerdote. Sinto toda a consolação que uma mãe possa sentir. Lembre-se, porém, de que não é o hábito que o dignifica, mas a virtude. Se algum dia vier a duvidar de sua vocação, não desonre este hábito. Deixe-o imediatamente. Prefiro ter um filho pobre camponês a um sacerdote que descure seus deveres. Quando você nasceu, consagrei-o a Nossa Senhora. Quando começou os estudos, recomendei-lhe que amasse a essa nossa boa Mãe. Agora, recomendo que seja todo Seu”. Estas foram as palavras ditas por mamãe Margarida quando Dom Bosco entrou no Seminário.